Toda viagem chega ao seu fim e, quanto mais envolvidos estamos nela, mais difícil fica aceitar que é hora de por as coisas na mochila ou na mala e voltar ao cotidiano, à rotina, às urgências do dia a dia. Durante dez dias deste ano de 2012, vivi uma das experiências mais significativas de minha vida até então: me lancei em uma expedição pelo Rio São Francisco a bordo do projeto Cinema no Rio São Francisco, que leva, desde 2004, cinema às populações ribeirinhas do Velho Chico. Tive a oportunidade não só de acompanhar e fazer parte deste projeto tão admirável, como entrar em contato com um Brasil fora dos roteiros turísticos, mas cheio de histórias para contar e de personagens que lutam para manter viva a sua identidade através das manifestações culturais de seu povo, do seu trabalho, da forma de preparar sua comida ou de contar e passar adiante suas lendas. Conheci o Chico da cultura barranqueira, do Batuque, da Folia de Reis, das procissões, das cheias e das secas. Conheci um Chico de beirada verde e de chão seco escondido. Conheci um Chico a quem é preciso pedir licença antes de se banhar em suas águas e do respeito diante de um banco de areia que nos atola. Conheci um mundaréu de coisas e a sensação de liberdade que ele me proporcionou é do que sinto mais saudade.

  • São Francisco, MG – Minha última parada no Cinema no Rio São Francisco
Minha última parada no Cinema no Rio São Francisco. Imagem: Janaína Calaça

Minha última parada no Cinema no Rio São Francisco. Imagem: Janaína Calaça

Chegando em São Francisco, MG. Imagem: Janaína Calaça

Chegando em São Francisco, MG. Imagem: Janaína Calaça

Por pouco não deixei de conhecer São Francisco – a cidade que divide o nome com o velho rio. Por questões de logística, eu teria que voltar de São Romão para Montes Claros e de lá pegar o avião de volta a São Paulo. No entanto, por sorte, consegui ganhar mais um dia nessa viagem e lá fui eu conhecer São Francisco. Sendo esta a minha última parada, aproveitei a travessia para me despedir do barulho do motor, da espuma da água se levantando quando o barco passava, do burburinho dos companheiros de viagem reunidos em volta da mesa, das paisagens, dos barrancos, das prainhas, das aves levantando voo e do Velho Chico reinando absoluto diante de mim debaixo de um céu profundamente azul. De barcos a barquinhos, de gente pescando com sombreiros coloridos a proteger suas cabeças do sol forte a lavadeiras trabalhando às margens do rio, fui me despedindo de tudo silenciosamente e guardando aquela sensação boa para a vida: do vento no rosto, do ar fresquinho e de como me senti feliz tendo vivido aqueles dias.

Navegando pelo Velho Chico. Imagem: Janaína Calaça

Navegando pelo Velho Chico. Imagem: Janaína Calaça

Chegando em São Francisco, MG. Imagem: Janaína Calaça

Chegando em São Francisco, MG. Imagem: Janaína Calaça

  • Chegando em São Francisco

Assim como Pirapora e São Romão, São Francisco foi uma das maiores cidades que visitamos durante esta viagem. Fundada em 1877, o destino já teve vários nomes até chegar ao de batismo atual. Já foi Pedras de Cima, Pedras dos Angicos, São José das Pedras dos Angicos, São Francisco das Pedras e, por fim, partilha hoje seu nome com o do grande rio: São Francisco. Chegando à cidade de barco, uma das primeiras imagens que vemos é a da Igreja Matriz de São José, situada praticamente ao lado do porto, de onde se pode assistir a um lindo pôr do sol alaranjado no fim do dia.

Igreja Matriz de São José, vista do rio São Francisco. Imagem: Janaína Calaça

Igreja Matriz de São José, vista do rio São Francisco. Imagem: Janaína Calaça

Beira do rio. Imagem: Janaína Calaça

Beira do rio. Imagem: Janaína Calaça

Por ser um pouco maior que as demais cidades que visitamos, São Francisco já possui um pequeno porto mais estruturado. Em vez de subir os barrancos de terra, quem vem do rio já encontra uma escadaria para facilitar o acesso à cidade. Eu, que tenho um joelho “lenhado” agradeci àquele mimo no meu último dia!

  • Igreja Matriz de São José
Cruzeiro, ideal para assistir ao pôr do sol. São Francisco, MG. Imagem: Janaína Calaça

Cruzeiro, ideal para assistir ao pôr do sol. São Francisco, MG. Imagem: Janaína Calaça

Igreja Matriz de São José. São Francisco, MG. Imagem; Janaína Calaça

Igreja Matriz de São José. São Francisco, MG. Imagem; Janaína Calaça

Como citei anteriormente, quem chega à cidade pelo rio, já se depara com um dos principais cartões postais da cidade – a Igreja Matriz de São José, erigida em 189o. O local foi construído poucos anos após a fundação de São Francisco, que, naquela época, era ainda uma fazenda – a Fazenda Pedras de Cima. Além da construção suntuosa, a vista para o Velho Chico é, sem dúvidas, o que mais atrai a atenção de quem se achega por aquelas bandas. Através da igreja também você encontrará um acesso direto a uma das principais praças da cidade, onde tudo acontece – a Praça do Centenário.

Velho Chico visto do Cruzeiro. Imagem: Janaína Calaça

Velho Chico visto do Cruzeiro. Imagem: Janaína Calaça

Casarões. São Francisco, MG. Imagem: Janaína Calaça

Casarões. São Francisco, MG. Imagem: Janaína Calaça

  • Os casarões de São Francisco

Caminhando por São Francisco, assim como em muitas cidades mineiras, você verá alguns casarões em estilo colonial, muitos deles, inclusive, datam da época de fundação da cidade. Apesar do asfalto ter alcançado a cidade em alguns pontos, o calçamento de paralelepípedos ainda pode ser visto em vários pontos, principalmente nas ruas mais antigas e que abrigam estes casarões.

Casarões. São Francisco, MG. Imagem: Janaína Calaça

Casarões. São Francisco, MG. Imagem: Janaína Calaça

Casarões. São Francisco, MG. Imagem: Janaína Calaça

Casarões. São Francisco, MG. Imagem: Janaína Calaça

Se quer parar para fazer um lanchinho, tomar um sorvete ou apenas um refrigerante para amenizar o calor constante na cidade, então corra para a Praça do Centenário, como eu fiz, ao lado de Góia. Lá você estará próximo de barzinhos e de lanchonetes e ainda pode avistar a igreja e não perder o horário de ver o por do sol.

Praça do Centenário. São Francisco, MG. Imagem: Janaína Calaça

Praça do Centenário. São Francisco, MG. Imagem: Janaína Calaça

  • Música e tradições de São Francisco
São Francisco dos carros de boi, da viola e das carrancas. Imagem: Janaína Calaça

São Francisco dos carros de boi, da viola e das carrancas. Imagem: Janaína Calaça

Artesanais. Imagem: Janaína Calaça

Artesanais. Imagem: Janaína Calaça

Em nossas andanças por São Francisco, Góia e eu acabamos conhecendo um casarão que abriga uma espécie de oficina, onde são produzidos instrumentos musicais artesanais. Infelizmente, não me recordo do nome deste casarão, nem da entidade a que está ligado (não sei onde foi parar meu caderninho de anotações!). Sei apenas que ele se encontra próximo à igreja e que abriga não só lindos instrumentos feitos à mão, como inclusive alguns até centenários.

Artesanais. Imagem: Janaína Calaça

Artesanais. Imagem: Janaína Calaça

Prelúdio de canções. Imagem: Janaína Calaça

Prelúdio de canções. Imagem: Janaína Calaça

Caminhando pelo casarão, vimos violas e violões, tambores e rabecas, prontas ou ainda sendo desenhadas pelas mãos do artesão. Em uma de suas mesas de trabalho, vi disposto um trio que me chamou a atenção: um carro de boi, uma viola (ou violão, não sei ao certo) e uma carranca. Não sei se de forma consiciente ou não, o artesão elencou alguns dos elementos que povoam o imaginário das cidades banhadas pelo Velho Chico: o do passado (ou do presente) fortemente agrário representando pelo carro de boi; o da música barranqueira ou das canções do sertão representadas pelo instrumento e o da carranca, sempre presente nos barcos e embarcações diversas que atravessam o grande rio para proteger os que se lançam em suas águas.

Da madeira à música. Imagem: Janaína Calaça

Da madeira à música. Imagem: Janaína Calaça

Da madeira à música. Imagem: Janaína Calaça

Da madeira à música. Imagem: Janaína Calaça

Os instrumentos musicais também são parte importante das festas da cidade: a Folia de Reis e a festa de São Gonçalo – em que a música e a dança são parte dessas duas grandes manifestações mantidas ao longo dos anos e por gerações. A Folia de Reis, inclusive, abriu a noite do Cinema no Rio São Francisco, ao som da rabeca e ritmado pela dança dos anciões da cidade, que lutam para manter a tradição viva.

Da madeira à música. Imagem: Janaína Calaça

Da madeira à música. Imagem: Janaína Calaça

Igreja Matriz de São José no fim da tarde. Imagem: Janaína Calaça

Igreja Matriz de São José no fim da tarde. Imagem: Janaína Calaça

Um dia não foi suficiente para conhecer São Francisco, mas aproveitei aquele último dia de viagem à minha maneira: sem pressa, caminhando pelas ruas, fazendo uma parada para um sorvete com a Góia e aproveitando o ritmo mais lento da cidade, tão distinto do caos em que vivo em São Paulo. Antes de voltar para o barco, para a minha última noite na expedição, parei no cruzeiro para assistir àquele pôr do sol alaranjado, tendo o Velho Chico como espelho. Enquanto o sol ía embora, eu também me despedia: do rio, das paisagens, das cidadezinhas que passei, dos amigos que fiz, das lembranças que criei. E a noite passou rápido, o sol nasceu de novo e lá fui eu, com malas e abraços dados voltar para meu caos cinza, para os braços de quem amo e imersa na saudade de dias tão profundamente especiais, que tive a felicidade de poder viver.

Pôr do sol em São Francisco, MG. Imagem: Janaína Calaça

Pôr do sol em São Francisco, MG. Imagem: Janaína Calaça

E… só para matar as saudades destes dias solares, deixo procêis a canção que embalava todas as noites de Cinema no Rio São Francisco – o Xote Bem te Vi de Helena Meirelles (acompanhado do Passo do Tico Tico e da fala da violeira).

Acompanhe nossa série de posts sobre a expedição Cinema no Rio São Francisco, acessando http://jeguiando.com/cinema-no-rio-sao-francisco-expedicao/ e para visitar o site do projeto acesse Cinema no Rio São Francisco.

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Um comentário

  1. Erik PZado disse:

    Nossa neguinha! Quanto tempo não ouvia os sons dela. Seu Dalo gostava!


 

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