No Brasil e, principalmente, no Nordeste, o São João é conhecido como uma das maiores festas populares do calendário nacional, mas para mim é uma festa afetiva. Nasci e cresci em Salvador e, enquanto muitas crianças esperavam pelos chocolates na Páscoa ou pelos presentes no Natal, eu queria o São João, suas bandeirolas coloridas, a fogueira acesa em frente à casa, os balões de mentirinha pendurados no quintal, o amendoim cozido, a canjica, o bolo de aimpim, o milho assado e o brilho das chuvinhas de prata, tudo embalado pelas lindas canções de Gonzagão.
Por anos, o meu São João dividia-se em passar em minha casa em Salvador ou no sítio de meus tios. Em casa, minha mãe acordava cedo, com aqueles olhos brilhantes que aparecem em dia de festa. E lá ia ela fazer todos os bolos que conseguia, retirar o conjunto de licor da cristaleira, cozinhar o milho, enquanto meu pai não chegava da feira, trazendo amendoim para um batalhão, que, depois de cozido, ele colocava em cestas de palha e já ficava pelo quintal com uma delas, contando o tempo até a noite de São João. Meu irmão e eu pendurávamos as bandeirolas pela casa, enchendo de cores nossas paredes, enquanto na rua grupos se espalhavam para fazer o mesmo. E a noite chegava, fria e sonora, aquecida pela fogueira montada com restos de madeira, onde, quem sabe, ainda daria para assar um milho em suas brasas.
No sítio de meus tios, a festa ainda era mais bonita. As varandas eram todas enfeitadas, a canjica era feita com o milho colhido daquelas terras e tinha ainda o bolo de laranja de minha tia Enalva, que nunca conheci ninguém que fizesse melhor. E a véspera de São João era embalada pelos velhos discos de meu pai, que todos os anos eram sempre os mesmos: Gonzagão, Genival Lacerda, Zenilton, Cremilda e segue uma lista grande na cabeça, que eu já sabia de có de tanto ouvir, sentada no sofá da sala do sítio, sempre com algum cachorro deitado em meu colo. E a noite lá também chegava, com o calor da fogueira, com os fogos embalados em celofane, com meu rosto pintado, o corpo vestido de caipira e com um chapéu de palha sempre esquentando a minha cabeça. Eu via a noite passar e não queria que ela fosse embora. Esperava o ano inteiro por ela, pelo seu brilho, pela sua alegria, pela família reunida e pelas suas canções.
Hoje, escrevo de São Paulo. Ontem, minha mãe ligou, lamentando o fato de eu não estar lá para comer seus bolos ou o amendoim trazido da feira pelo meu pai. O sítio acabou, pessoas já se foram e as caipiras feitas de chita e os chapéus de palha já não cabem em meu corpo ou em minha cabeça, mas em dias como hoje, véspera de São João, daqui da terra da garoa, volto a ser menina e a querer todas aquelas cores e brilhos do passado. Talvez eu já soubesse, enquanto todos aproveitavam a festa despreocupados que ela passa rápido demais, assim como o tempo, que transforma tudo, do nosso corpo aos nossos sonhos. Dizem que me prendo demais ao passado e concordo, mas tenho minhas lembranças ainda vivas, enquanto como, sentada diante do computador, uma canjica feita de caixinha ou os amendoins trazidos por minha amiga Natalina. Não caibo mais em minhas roupas, mas ainda tenho o meu São João, revivido, todos os anos, mesmo à distância, mesmo tendo tudo efetivamente mudado, mesmo tendo restado muito pouco… Ainda assim tenho o meu São João.
Janaína Calaça
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Que lindo Jana! Eu também amo São João (deve ser a parte do meu sangue 50% nordestina falando mais alto) e suas comidas! Fico ansiosa só de pensar na comilança toda!
Deise, como disse no início do texto, o São João para mim é uma festa afetiva, que envolve talvez as lembranças mais queridas de minha vida, até agora, de um tempo marcado por despreocupações e alegrias. 🙂
Beijão,
Jana.
Lindo, emocionante, tocante. Você conseguiu transcrever tudo o que eu sinto, Jana. A maioria das pessoas não faz ideia de como essa festa é importante para nós, mas, felizes aquelas que guardam boas e saudosas memórias de afeto e amor dessa noite iluminada de junho.
beijo grande :*
Rapha,
fico feliz que tenha realmente se identificado com esta crônica, minha nêga. Compartilhamos o mesmo imaginário, as mesmas referências, mesmo eu sendo da Bahia e vc de Pernambuco. O Nordeste é atravessado por alguns símbolos e eles sempre se propagam, seja onde os nordestinos estiverem. 🙂
Beijão,
Jana.
Nossa, lendo seu texto me vi revivendo muitas boas lembranças e quase choro de saudades.
Assim como você, sou baiana, de SSA e moro em São Paulo desde 2009, eu e o meu esposo que também é de lá.
Esse ano temos planos de viajar bastante e entre uma pesquisa por sites interessantes encontrei o seu, que além de sugerir viagens interessantissímas, ainda me permite viajar nas águas da memória como acabei de fazer nesse post e também em um outro sobre o cuscuz.
Obrigada!
Marcela » Oi, Marcela!
Que bacana ler seu comentário e partilhar do mesmo saudosismo! O São João é a festa popular que mais tenho saudade no Nordeste e o “Meu São João” foi a forma que encontrei de viver, mesmo que entre linhas apenas, esta festa colorida de que gosto tanto. 🙂
Um grande e forte abraço,
Jana.