Há um pouco menos de um ano, visitei o Centro de Tradições Nordestinas de São Paulo. A visita aconteceu em um momento de grandes mudanças em minha vida e, como estava lidando com mudanças profundas, acabei, inconscientemente, buscando algo de familiar para me sentir menos perdida. São Paulo é uma cidade que recebe gente de todas as partes do país e também do mundo. Sou uma delas. Vim de Salvador e por aqui fui me enraizando pelo amor e pelos amigos. Apesar de ter criado raízes profundas, a sensação de ser estrangeira sempre é presente. Seja pelo meu sotaque ou pela forma como faço e como meu cuscuz. Seja pela saudade da família e dos amigos, seja pela vontade de ver o mar nos dias tristes, só para o sorriso voltar novamente. Sinto falta do São João, do amendoim cozido, da brisa e do horizonte. Há pouco menos de um ano, quando reuni um grupo de pessoas queridas e lá fomos nós visitar o CTN de São Paulo, eu não entendia porque queria estar ali. Hoje entendo. Buscava a familiaridade, a comida conhecida, os símbolos que povoam meu imaginário, as canções do Gonzagão e, principalmente, aquela era uma busca identitária, dos meus referenciais, tão necessários naquele momento.
De longe já enxergamos o símbolo do Centro de Tradições Nordestinas, um chapéu de couro gigantesco, daqueles tão famosos pelo cangaço. O lugar é simples, sem grandes firulas. A minha impressão é que eu estava chegando em uma cidadezinha interiorana do nordeste: igrejinha, uma estátua do Padre Cícero e um parque itinerante, daqueles que, mesmo com o desgaste da estrada e dos anos de uso, fazem a alegria de crianças e adultos que esperam por novidades. Lembrei da minha infância na hora, de quando minha mãe me levava a estes parques e de como eu gostava de ver o carrossel girar e da roda-gigante se confundir ao céu.
Eu estava acompanhada de três amigas: Natalina, sergipana de Tobias Barreto, Poliana, alagoana de Maceió e Anita, paulistana. Não sei o impacto que aquele pequeno pedaço de Nordeste causou em cada uma delas, mas sei o que causou em mim. Eu não queria nada além de todos aqueles graciosos clichês que povoam o nosso imaginário: o forró, o triângulo, a carne do sol. O Nordeste obviamente não é só isso, mas é isso também, e eu, inconscientemente, buscava me aninhar naquelas imagens antigas e tão familiares, que povoou minha vida e hoje povoa minha memória.
“Toca Gonzagão, meu senhor. Toca e faz este coração um pouco mais feliz”. Eu observava quieta uma dupla de cantores nordestinos que entoavam velhas canções conhecidas. O som do triângulo era doce e familiar como afago de família. Por dentro, aquele turbilhão de pequenas emoções reunidas. Fui interrompida em meus devaneios pela fome de todo mundo àquela hora. Sentamos e pedimos um escondidinho e arrumadinho. Democraticamente, todos os restaurantes vendiam os mesmos pratos, que eram servidos na simplicidade dos pratos duralex e dos talheres de cabo de plástico, tão familiares aos que tinha em minha casa e que sempre comportou nossa comida.
Quando os pratos chegaram, fumegantes e fartos, cada uma se serviu de seu bocado e lá ficou com suas lembranças e descobertas. “Na minha terra não vai arroz no escondidinho!”. “Na minha não vai ovo!”. Não importava o que ía ou que ficava, o importante é que intimamente acessávamos nossa memória e não esquecíamos de coisas pequenas tão nossas, de nossas histórias e daquilo que trouxemos para uma terra diferente, que agora também era parte de nós.
Atores vestidos de cangaceiros, maçã do amor, acarajé. Triângulo, forró e acordeon. Fome do corpo saciada, agora vamos matar a fome da alma. Aquela que nunca se satisfaz e com a qual temos que lidar a toda hora e não em momentos do dia. Do nosso almoço, partimos para momentos no parque. Cada uma escolheu o que fazer ou o que não fazer. Eu queria a roda-gigante, ver a cidade de cima, buscar um pouco de horizonte, se assim fosse possível. Ganhei a companhia de Poliana na empreitada. Natalina queria o tiro ao alvo e Anita ficou observando a tarde passar.
De lá de cima, vi São Paulo em uma tarde fria de sábado. De cima, vi a alegria do carrossel girando, do grito das crianças pequenas, do algodão doce derretendo na boca das pessoas que buscavam o mesmo que eu: um pouco de memória externa. E da roda-gigante, fomos para o bate-bate. Os carrinhos mal tinham espaço para rodar, mas o que importava era o prazer de esquecer que tínhamos crescido. Nas barraquinhas de tiro ao alvo, fomos lá gastar nossas chances de arrematar prêmios, por mais esdrúxulos que fossem. Um urso rosa, uma barra de cereal. O importante era sempre tentar, mesmo quando as chances vão indo embora. Coisa que a gente sempre esquece. Esgotamos nossas chances antes mesmo que elas tenham acabado. É, lições de tiro ao alvo! Nunca desperdice uma chance, por mais remoto que lhe pareça ser o objetivo (momento auto-ajuda!).
Saímos de lá já perto do fim da tarde. De alma e corpo satisfeitos momentaneamente, posto que são as fomes que nos mantêm sempre vivos em nossa busca por saciedade, fomos terminar aquele sábado em outro lugar. Como fechar o portão de casa, como sair do conforto da familiaridade, voltávamos para o nosso território conhecido-desconhecido. Fora dos portões não tinha mais o triângulo tocando ou o acordeon, o cheiro do escondidinho ou do acarajé recém-frito. Fora dos portões, voltávamos para as nossas novas familiaridades, mas não tão aconchegantes como aquelas que dividem parede com a saudade do lugar de onde saímos um dia e das pessoas que deixamos por lá… habitando nossas lembranças.
Quer saber mais sobre o CTN? Visite o site do Centro de Tradições Nordestinas e saiba tudo sobre este cantinho do Nordeste em São Paulo!
Em homenagem à minha família, que ficou na Bahia, e às amigas Natalina, Anita e Poliana que me apoiaram e me apoiam tanto até hoje. 🙂
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Neguinha que linda recordação dos dias! Te amo vice? E tenho um enorme orgulho em dormir ao seu lado!
Saudades, ô saudades!
Foi um dia especial para mim também, Jana. Principalmente porque eu pude, por algumas horas, me distanciar do caos e relembrar as minhas raízes.
Beijos.
Pois é, Nathy, felizes são aqueles q conseguem enxergar a beleza embutida na saudade. A saudade faz a gente ver e vivenciar as experiências de uma forma distinta e nunca trivial. 🙂
Beijocas,
Jana.
Te amo tb, menino! Vice? 😀
[…] This post was mentioned on Twitter by jana_calaca, Jegueton. Jegueton said: Jegue crônicas: Triângulo, acordeon e escondidinho ou um dia no Centro de Tradições Nordestinas de SP.Hj, no Jeguiando. http://bit.ly/a6Fu6s […]
Linda crônica! Lindo post! Lindas palavras! Me deu saudade de andar na roda gigante… dos parquinhos do interior. Vou procurar uma por aqui mas acho difícil de encontrar.
Bjs,
Eliane
Eliane, minha querida,
bom vê-la por aqui, compartilhando minhas memórias. Tenho uma verdadeira paixão e saudade pelo meu nordeste querido e visitei o CTN-SP em um momento em q estava buscando estrutura para enfrentar um turbilhão de acontecimentos. A simplicidade do lugar me fez lembrar da simplicidade de várias cidades nordestinas, q sabem aproveitar até um parquinho já judiado pelo tempo para fazer da cidade uma festa. Quando olho para o Nordeste, meu olhar é de filha saudosa e é assim q sempre olharei para lá. 🙂
Beijos, minha querida e obrigada pelo carinho sempre.
Jana.