Nós, brasileiros, somos de fato um povo bastante peculiar, principalmente se pensarmos que vivemos ilhados pelo idioma português, sendo a única nação da América Latina não falante de espanhol. Mas, se por um lado estamos predispostos à exclusão cultural, por outro somos ávidos importadores de cultura. Nossa relação afetiva em relação à cultura mexicana, por exemplo, é produto direto da cultura pop. Quem não conhece a vilã Paola Bracho, ou a carismática Maria do Bairro? E quanto à Turma do Chaves, que misteriosamente é mais cultuada aqui do que no México? Quem nunca ouviu falar dos mariachis?
Quando falamos de artistas mexicanos, somos unânimes em citar o nome da impressionante/impressionista e libertária artista plástica Frida Kahlo, símbolo do poder feminino e recorrente influência no imaginário popular. Entre todas essas ‘importações’ culturais, mais recentemente o brasileiro tem prestado especial atenção à cultura mexicana, especialmente à sua gastronomia, arte e, é claro, às suas festas populares.
No último dia 1˚ de novembro, tivemos um grande exemplo do quão ávido o brasileiro é em relação a conhecer um pouco mais sobre a cultura mexicana. O Museu da Imigração, com o apoio do Conselho de Promoção Turística do México, decidiu promover a comemoração do Día de Los Muertos em plena capital paulista, visando a revelar ao público quais são os principais elementos do imaginário mexicano sobre a celebração da data.
A festa contou com exemplares de restaurantes mexicanos, bebidas à base de tequila, música executada por um grupo de Mariachis e, é claro, a presença das tradicionais catrinas e catríns. Além do lado festivo, o Conselho de Promoção Turística do México montou um altar em homenagem a Frida Kahlo e a Tomie Ohtake, falecida em fevereiro de 2015, cujo instituto atualmente abriga a exposição “Frida Kahlo – Conexões entre mulheres surrealistas no México“.
Devido à grande curiosidade em torno da celebração do Día de Los Muertos, o inesperado sucesso de público do evento acabou por causar inconvenientes, como, por exemplo, o represamento da fila de acesso, o que fez parte considerável das pessoas que foram tentar participar da festa desistir da visita. Por outro lado, nem mesmo a chuva constante e a lotação conseguiram eclipsar o evento. Prova disso foram as filas nos restaurantes e nas oficinas de flores de papel, drinks, decoração em chocolate e de pintura facial temática.
O que de fato é o Día de Los Muertos?
As festividades do Día de Los Muertos, que figuram, segundo a UNESCO, entre os 33 patrimônios culturais do México, tem como data principal de comemoração o dia 2 de novembro. No entanto, as festividades têm início todos os anos no dia 31 de outubro. Sua origem remonta aproximadamente 3000 anos e já era celebrada pelos povos nativos do México, como os Maias e Astecas.
As festividades têm como objetivo celebrar os mortos, já que, nesse período do ano, os parentes falecidos têm a permissão divina para visitar suas famílias e seus amigos, motivo pelo qual, tradicionalmente, as famílias decoram suas casas e festejam esses dias com muita música e com os pratos preferidos de seus entes queridos, dispostos em generosos banquetes.
A decoração das casas geralmente é feita com as clássicas bandeirolas de caveiras; no ar, é possível sentir os aromas das guloseimas preparadas em homenagem aos mortos; e a música é uma constante durante a celebração. O ponto central da comemoração é a montagem do altar de oferendas, no qual comumente figuram as fotos, os alimentos e os itens relacionados aos finados homenageados.
Outro aspecto marcante do Día de Los Muertos é, sem dúvidas, a caracterização das personagens El Catrín e La Catrina, caveiras com ar aristocrático, que remetem à lembrança de que a finitude atravessa todas as classes sociais e está presente em todas as realidades econômicas e religiões. Não há alguém tão rico ou inalcançável que não seja tocado pela morte.
Como foi a comemoração do Museu da Imigração de São Paulo?
Há quem tenha amado e há quem tenha saído do museu chateado. A organização claramente não esperava o sucesso de público. Se por um lado a festa foi vibrante e bastante disputada, por outro, a longa espera no acesso e a chuva constante fez grande parte do público desistir do programa.
Em determinado momento, por exemplo, próximo ao horário do concurso de catrinas, vários potenciais participantes, que estavam devidamente caracterizados, queixavam-se de não conseguir entrar no museu. Nesse caso, creio que houve inocência em achar que um evento com características de “catraca livre” não seria tão disputado. A maior prova disso é que grande parte dos participantes do concurso já era avistada no museu desde o início da tarde.
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Gastronomia e atividades
Dentro do espaço do Museu, o evento contou com a presença do foodtruck La Buena Station (by La Buena Onda), da Taqueria La Sabrosa, do Restaurante La Mexicana e da Dulce Rosas – Cocina Mexicana. A festa foi embalada pela música vibrante de um grupo de Mariachis e animada por atividades como o workshop de confecção de flores de papel e a pintura facial de Catrinas, que aconteciam a todo vapor e gratuitamente durante o evento.
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As homenageadas do dia: Frida Kahlo e Tomie Ohtake
Como o ponto alto do Día de Los Muertos é o altar em homenagem aos finados, o Conselho de Promoção Turística do México teve uma sensibilidade extraordinária ao eleger as homenageadas da festa. Em uma área reservada, o altar e uma instalação foram preparados para Frida Kahlo e Tomie Ohtake. Nada poderia ter maior simbologia do que a escolha da dupla, já que ambas são verdadeiros ícones culturais e tiveram seus nomes cruzados pela exposição de Frida trazida para o Instituto Tomie Ohtake. Olhos atentos se banquetearam na busca por detalhes na mesa montada, mas o destaque ficou mesmo por conta das duas catrinas criadas em representação às homenageadas.
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Catrinas e Catrín
Sem trocadilhos, muitos participantes entraram realmente no “espírito” da festa e chegaram ao Museu lindamente caracterizados. Enquanto eu circulava pela festa em busca de boas imagens, tive a oportunidade de fotografar algumas pessoas vestidas de catríns e catrinas, exemplares bastante singulares que gentilmente cederam seus relatos e suas percepções em relação à celebração do Día de Los Muertos aqui em São Paulo.
Isabella Dias – Catrina com flores amarelas e vermelhas
A perspectiva da Isabella foi lindamente externada nesse e-mail enviado para nós:
“[…] Não acredito que a morte seja o final, creio que seja um desconhecido recomeço, um destino inevitável e bem-vindo, pelo qual todos temos que passar cedo ou tarde, e infelizmente (ou felizmente) viajamos sozinhos.
Sempre achei muito linda a comemoração do Día de los Muertos, a festa, a dança, as comidas e principalmente a alegria que envolve as famílias e todo o festival. Diferentemente do nosso feriado de “todos os santos” e “finados”, onde refletimos e homenageamos nossos mortos de um jeito pesado e triste, os mexicanos encontraram através dos festejos uma maneira mais branda e animada de celebrar a passagem do ente querido, isso sempre me atraiu muito no festival.
Claro, eles sentem saudade e dor como nós, porém encaram este feriado de um jeito positivo, já que a alma do falecido tem permissão para nos visitar, ela ou ele não deve ver tristeza e lágrimas! Eles cantam, dançam, oferecem a comida favorita do falecido no altar com sua foto! A família inteira, da mais antiga até a mais nova geração é envolvida no processo por dias! Cozinhando, separando fotos, comprando flores, fazendo guirlandas de papel!
Não desmerecendo nossas próprias tradições, mas este me parece um jeito mais brando e alegre de homenagear a passagem de um querido para uma nova fase da vida.
Nunca vi a morte como uma coisa triste, onde famílias se separam sem a chance de se encontrar, acredito no oposto disso, creio que quando fizer minha passagem, vou me reencontrar com todos que amo cedo ou tarde, esse foi o principal motivo que me levou á isso! Muito além da caracterização, da comida, da festa em si, foi esse sentimento de alegria, de reencontro, mesmo que por um dia com alguém que já se foi é extremamente reconfortante e belo! Como disse o personagem Sirius Black na franquia Harry Potter: “Aqueles que nos amam, nunca nos deixam de verdade”. Eu acho que essa festa representa exatamente isso, fisicamente a pessoa se foi, mas ela sempre estará conosco, então, pra que chorar?
Creio que minhas percepções não mudaram, elas se confirmaram, claro, estava chovendo e meio frio, não pudemos aproveitar a festa totalmente, mas mesmo assim o ambiente foi muito alegre, festivo e acolhedor! Exatamente como eu imaginava.”
Ivan Sbrana, El Catrín de Bárbara Naomi
Outro relato interessante chegou até nós da Bárbara Naomi sobre a relação simbiótica entre ela e Ivan Sbrana, a personificação do Catrín vencedor do concurso. O breve relato de Bárbara revela o quão profunda pode ser a exposição à cultura de outras nações.
“[…] Através do Colégio Maria Imaculada, em que estudo, participo de um trabalho voluntário no Arsenal da Esperança onde conheci Ivan Sbrana. Nas festas do colégio, faço pinturas nos rostos das crianças, pinto fadas, borboletas, máscaras de super-heróis etc., mas nunca pintei caveiras.
O Ivan ficou sabendo pela minha professora Maria Amélia, responsável pelo projeto da ação social, que eu fazia essas pinturas e então pediu que o pintasse de Catrín para esse evento. Eu mesma me surpreendi com o resultado, pois sou autodidata e faço isso há pouco tempo. A aceitação positiva das pessoas e o fato do Ivan ter ficado em primeiro lugar me deixou muito feliz e confiante! Pretendo continuar aperfeiçoando a técnica e, quem sabe um dia, isso seja útil na minha carreira.
Quanto à festa do Dia Dos Mortos, eu já tinha lido um pouco sobre, mas essa foi uma ótima oportunidade para me aproximar dessa cultura e, na prática, ver como ela funciona. Foi muito divertido e, depois dessa grande experiência, fiquei com uma vontade enorme de participar da festa lá no México![…].”
Os relatos deixam clara a tendência do nosso povo a aceitar a diversidade cultural, algo óbvio para uma nação saudavelmente pautada na mistura. Outra evidência bastante interessante foi a personificação de famílias como aconteceu com Silvana Menezes e seu filho Miguel. Não conseguimos ainda uma perspectiva da Silvana, que se encontra atualmente na correria do TCC (pleno perdão acadêmico).
Conseguimos também conversar com o pessoal do La Buena Station, que disponibilizou aos visitantes o seu cardápio já consagrado cardápio TexMex. Segundo Suzana Ramos, uma das sócias do La Buena Onda e esposa do Chef Arturo Herrera (mexicano da gema), a festa foi de fato um sucesso, tendo um grande volume de público e uma organização pronta e disponível para atender às demandas dos expositores na festa. Suzana salientou ainda que alguns visitantes se queixaram das longas e constantes filas, um potencial resultado do sucesso de audiência.
Nossas impressões
No geral, o evento satisfez a todos que se dispuseram a enfrentar a fila e conhecer um pouco mais sobre a cultura mexicana. Ficou a lição de que a morte pode ser encarada de maneira positiva e festiva e não compulsoriamente triste como trivialmente encaramos o nosso Dia de Finados.
Para futuras edições, fica a nossa sugestão: CHEGUE CEDO, simples assim. Em São Paulo, a superlotação em eventos é uma realidade e não depende necessariamente da organização. Exemplos rotineiros não faltam! Vide as exposições de Ron Mueck, Castelo Rá-tim-bum e “N”outras, não é?
Você visitou a festa? Tentou e não conseguiu? Deixe seus comentários e amplie a discussão.
Programação e endereço:
Día de los Muertos no Museu da Imigração
1º de novembro/2015 (domingo) – Das 13h às 20h
Atrações:
14h e 16h – Apresentação Mariachis Los Charros
15h às 17h – pintura facial típica para os visitantes
Oficinas:
15h – Flores mexicanas de papel
15h30 – Decoração de caveiras de chocolates (Dulce Rosas – Cocina Mexicana)
16h30 – Receita de guacamole (Restaurante La Mexicana)
17h – Drinks com tequila (Taquería La Sabrosa)
17h30 – Resultado do concurso (melhor caracterização de Catrina e Catrin)
Local: Museu da Imigração (Rua Visconde de Parnaíba, 1316 – Mooca – São Paulo).
A Hashtag do evento foi #DiaDeLosMuertosMI, siga nas redes sociais para ampliar sua pesquisa.
Acho muito válido este tipo de evento realizado pelo museu da imigração e muito mais fácil a mídia reconhecer tal evento como uma inovação aos tempos atuais, porém eu produtor independente esse ano realizei a 4º edição consecutiva do Dia de los Muertos mas tanto a mídia e outros meios ignoram tal feito o apoio que temos tido se resume em nada, hoje vendo o museu da imigração realizar o evento se vê muito fácil fazer pois se trata de um entidade muito maior, o que quero deixar como crítica é que deveriam apoiar mais os produtores independentes que tanto lutam para levar a cultura ao público, fica meu registro. Caso queiram imagens da edição de este ano fica disponível é só solicitar.
Pancho Valdez
Opa Pancho, beleza? Concordo plenamente com sua colocação. Nós somos um blog autoral e como tal acabamos escrevendo sobre nossas experiências. Como sempre publicamos artigos relacionados a viagens e atrações culturais, a cobertura da festa no Memorial do Imigrante fez sentido já que era um programão gratuito e livre para todas a idades. 😉
Tem feito algum esquema nesses moldes ou continua na produção de festas noturnas e com foco no público maior de idade?
Abs,
Pzado