Nasci e vivi grande parte de minha vida em Salvador e uma das épocas do ano (depois do São João) que mais me dão saudade da terra é a do feriado da Semana Santa e da Páscoa. Eu não sabia, até passar a viver em São Paulo, como as outras cidades comemoravam esta data, o que figurava na mesa, o que acontecia entre a Sexta-feira da Paixão e o Domingo de Páscoa. Lembro que a Semana Santa já começava, em Salvador, pelo menos uma ou duas semanas antes do feriado. Tradicionalmente, uma grande feira era montada no estacionamento do extinto Estádio da Fonte Nova, onde eram vendidos os produtos para preparar o grande almoço da sexta ou do domingo. Além do bacalhau, que acabou se tornando um ícone Pascal nas mesas brasileiras nesta época, o soteropolitano corria até a Fonte Nova, ou, em nosso caso, para a Feira de São Joaquim ou para a Feira das 7 Portas, para comprar dendê, camarão seco, castanha de caju e outros ingredientes para fazer o nosso caruru e o nosso vatapá!

Camarão seco para o caruru e o vatapá. Imagem: Erik Pzado

Camarão seco para o caruru e o vatapá. Imagem: Erik Pzado

Sim! É isso mesmo! Em Salvador, a Páscoa é comemorada com muito dendê!!! Lembro que minha mãe me levava à Feira de São Joaquim todos os anos para acompanhá-la na compra dos ingredientes para o caruru. Voltávamos para casa com cheiro de camarão seco, de castanha e depois de muito quebrar a pontinha dos quiabos, para escolher os melhores para nosso almoço em família. Em nossa mesa nunca faltava caruru, vatapá, arroz, farofa de dendê e feijão fradinho com camarão seco. O prato principal sempre era algum peixe ou fruto do mar, normalmente servidos em uma moqueca (também carregada no dendê). Para fazer alguma referência à Santa Ceia, minha mãe dava um jeito de colocar um pão sovado na mesa e uma garrafa de vinho (daqueles beeeeeeeeem doces), que tomávamos tranquilamente, mesmo causando estranhamento a quem fosse de fora. Onde já se viu tomar vinho comendo vatapá?!

Camarão seco, leite de coco, tudo entra na preparação da mesa da Semana Santa em Salvador. Imagem? Erik Pzado

Camarão seco, leite de coco, tudo entra na preparação da mesa da Semana Santa em Salvador. Imagem? Erik Pzado

Ah, Salvador, minha rainha das licenças poéticas! Apesar de muitos questionarem a razão destes pratos carregados de dendê fazerem parte do nosso cardápio Pascal e de lembrarem que na Santa Ceia só havia pão, vinho e peixe, lembremos de nossas raízes africanas e do sincretismo religioso, que figura em outros momentos do ano, como na festa de São Cosme e Damião e de Santa Bárbara, quando católicos fazem carurus em homenagem a santos católicos e os representantes do Candomblé, por exemplo, oferecem os pratos preparados à Iansã e a Doum, o terceiro irmão de Cosme e Damião não reconhecido pelo Catolicismo! É este sincretismo, são as raízes africanas, que fazem de nossa mesa algo tão peculiar, tão rica e que causa tanta saudade! Para vocês terem ideia do sincretismo de minha terra solar, no mesmo altar dos santos católicos de minha vó havia uma imagem de Iemanjá e de Doum, que, lá em casa, também ganhava caruru!

Dendê! Imagem: Erik Pzado

Dendê! Imagem: Erik Pzado

Os soteropolitanos comem peixe na Semana Santa, queimam Judas no Sábado de Aleluia e abrem as embalagens brilhantes, que guardam os ovos de chocolate no Domingo de Páscoa, como, acredito eu, muitos brasileiros. Mas em nossa mesa o dendê impera – amarelo, saboroso e borbulhante! Ah essa licença poética, que dá uma saudade nessa época, quando abro a despensa e só enxergo azeite de oliva! #saudosismo

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3 Comentários

  1. Marcela disse:

    Mais uma vez você conseguiu descrever a saudade que sinto da nossa terra e das nossas coisas, em especial nossas comidas.
    Estou aqui contando os dias, pois este ano passarei a sexta-feira santa lá em Salvador, graças a Deus! Ano passado eu e meu esposo fizemos nossa comidinha, mas não é a mesma coisa, não tem o clima, as pessoas… enfim…
    Adoro o site, depois que descobri sempre ando por aqui!
    Bjs.

    • Marcela! Que bacana vê-la aqui novamente! 🙂

      Infelizmente, não passarei a Semana Santa em Salvador e não adianta… Não sei fazer o vatapá que mainha faz, nem o caruru! Por mais que eu tente, por mais que eu faça, nunca será a mesma coisa! O jeito, então, é me adaptar e curtir a saudade boa desses dias regados a muito dendê!

      Um grande beijo,

      Jana. 😀

  2. Sandra disse:

    Você conseguiu traduzir em poucas palavras a época da semana santa na terrinha,quando mainha estava viva. Atualmente moro em São Paulo mas sinto uma grande saudade dessa época de Páscoa em Salvador.
    Sandra


 

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