Na manhã em que o barco do Cinema no Rio São Francisco atracou em São Romão, fiquei sentada por um longo tempo observando a balsa ir de um lado para o outro da margem, trazendo carros, caminhões e sobretudo visitantes e habitantes da cidade. A balsa que todos diziam nunca descansar, em um dado momento descansou e de meio de transporte virou trampolim para os meninos e moços de São Romão, que de lá se jogavam para se banharem no Rio São Francisco. Fiquei então assistindo àquele espetáculo de piruetas enquanto esperava, junto a Góia, a mesma balsa trazer gente nova para o barco, mais três pessoas, incluindo um amigo meu, o Pedro Serra do Blog Sem Destino, que veio se juntar a nós.
- São Romão, Minas Gerais – Do Girimunho, de Maria do Boi e de Bastu
A parada em São Romão foi a mais esperada de toda a viagem por todos do barco. O motivo? A estreia de Girimunho, longa de Clarisse Campolina e Helvécio Marins Jr., que aconteceria lá, sobre o chão de terra daquela cidade sertaneja, banhada pelo Velho Chico. Girimunho é cria do Cinema no Rio São Francisco. Nas primeiras edições do projeto, assim como acontece hoje, parte da equipe do Cinema sai pelas ruas das cidadezinhas à procura de histórias e de personagens. Nestas andanças, Helvécio conheceu Dona Maria do Boi e Dona Bastu, duas senhorinhas que carregam no corpo e nos vincos da pele a memória de São Romão. Duas figuras profundamente distintas entre si, mas fascinantes em suas particularidades. Dona Maria do Boi é uma figura forte, que comandava, até pouco tempo, as celebrações do Boi Bumbá na cidade e liderava o batuque, com o toque poderoso de suas mãos antigas. Bastu é uma senhorinha risonha, cheia de histórias para contar e um universo onírico todo seu. Ambas são fascinantes, repito, e Helvécio, juntamente com Clarisse, transformaram essas duas mulheres nas protagonistas de um filme de linda fotografia sobre o sertão, a vida, a morte, a velhice e os sonhos.
Chegamos em São Romão já com toda esta espectativa alinhavada em nós: a estreia do filme e a curiosidade em ver os habitantes da cidade reconhecendo seus lugares e as pessoas que ali vivem (grande parte do elenco é composto por locais). Além da expectativa, São Romão foi se desenrolando entre momentos inusitados e de estranhamento a momentos especiais e únicos na vida, como a primeira vez que me banhei nas águas do Velho Chico.
A aparição do girimunho
Dentre os fatos inusitados e estranhos, destaco o do girimunho que atingiu o barco, enquanto almoçávamos no dia da estreia do filme. Girimunho é redemoinho nas falas do povo de lá e de outros cantos do sertão. É o redemoinho que do nada se levanta da terra, no meio das estradas vazias, dos campos secos, e, no nosso caso, ao lado do barco que se encontrava atracado na margem do Velho Chico. Almoçávamos tranquilamente, quando, de repente, um girimunho se levantou ao lado do Luminar e, com força, trouxe areia, nos sacudiu, bateu as lonas, encheu pratos de terra e se foi… Da mesma forma que chegou, de repente, sem aviso. Se veio para marcar presença, fazer sua dança, tomar seu lugar de protagonista da história, ninguém sabe, ninguém saberá.
As peraltices do Velho Chico
Depois do girimunho dançar em nossa frente, foi a vez do Velho Chico fazer das suas. Até São Romão, eu ainda não havia conseguido tomar banho nas águas do Rio São Francisco. Para quem não conhecia as artimanhas de Chico, tive mesmo que esperar para encontrar uma prainha segura para me banhar. Neste dia, então, Góia pediu ao capitão para nos levar até um banco de areia e fomos nós em um barquinho, levados aos poucos, para nos lançarmos nas águas daquele rio-mar.
Quem conhece o Chico e as suas peraltices pede licença antes de entrar: às suas águas, aos peixes e às entidades que o regem. Quem não pede licença vira brinquedo nas mãos de Chico, do velho rio, de olhar castanho, às vezes azul, às vezes verde. Pois que, nesse dia, o rio escolheu Pedro, meu amigo, para pregar uma peça. Pedro é fotográfo e produz vídeos bacaníssimos e sempre anda com vários equipamentos para registrar o mundo através de suas lentes. Neste dia, ele levou para o São Francisco uma pequena câmera para fazer as fotos do nosso banho. Meu amigo fez uma foto, apenas uma foto de todos nós e jogou a câmera para mim. “Jana, faz uma foto minha!”. No momento em que Pedro jogou a câmera na água, acreditando que a mesma fosse boiar, a mesma afundou nas águas em segundos e lá se foi para a coleção do velho rio. Nós até tentamos achar, mas o Chico quando quer algo, não há nada o que se fazer.
A noite de Maria do Boi, de Bastu e de São Romão – Estreia de Girimunho
Quando a noite se fez, entre o barulhinho dos grilos à beira do rio e o som dos chinelos a levantar poeira, a população começou a tomar lugar diante da tela do Cinema no Rio São Francisco. Era a noite de estreia de Girimunho. Enquanto para nós, o filme traria a história de um universo distinto do nosso, para o povo de São Romão a experiência era de reconhecimento e identificação. O longa exibido naquela noite nos fez vivenciar alteridade, estranhamentos e identificações.
Nestes movimentos de conhecer e se reconhecer, Girimunho se fez entre o escuro daquela noite de estrelas e trouxe em seu elenco gente de São Romão, protagonistas da terra, mulheres ribeirinhas, filhas de Chico. Com sua linda fotografia, o longa, com seu tempo de sertão, seu cotidiano desacelerado, trouxe reflexões sobre a vida, as imposições da morte, a velhice, os sonhos e as tradições. Seja através do riso de Bastu, sonoro e contagiante, ou a força de uma pequena mulher de mãos poderosas que comandavam o batuque e o Boi Bumbá, Girimunho passou diante dos nossos olhos com a força dos redemoinhos: chegou, se fez e se foi, com o poder suficiente para tirar as coisas do lugar, mexer com as arrumações e se fazer notar.
Quer conhecer Girimunho? Assista ao trailer. 🙂
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Adoro os posts dessa viagem. Cada cidade mais encantadora que a outra. Bela trip! Bjão. 🙂
Esta viagem foi marcada por muitas histórias, nêgo e fatos interessantes. O dia da estreia de Girimunho, com a população de São Romão, a presença de Dona Maria do Boi e Dona Bastu, foi um dos mais marcantes sem dúvidas!
Um grande abraço,
Jana.
na minha infancia eu convivi com o preconceito porque
aminha familia era de rezdeiras, benzedeiras,dacava batuque,caboclo,cavalhada,sao gonçalo e congado eoutras manifestaçoes.Hoje graças a valorizaçao de nossa cultura dada por voces trouxe uma visao diferente para o povo sanromanece.
Valeu!Quem recupera a identidade de um homem,recupera a identidade de uma naçao
Não foi postado por Maria Isabel
gostaria de mandar um beijo pra minha familia distante.terezinha do hospital e para carlos santa rosa bjs vcs estão bem.saudade
como fasso para assitir o filme todo sou daki de são romão mg quero mostra ele a minha mae porque ela não viu