Enquanto o barco do Cinema no Rio São Francisco cruzava o Velho Chico rumo à Barra do Guaicuí, eu pensava nas histórias que ouvi ao longo dos dias que anteciparam nossa chegada à cidade. Em mim, uma mistura de fascínio e receio… O mesmo lugar que abriga uma igreja envolta por mistérios, também guardava histórias cabeludas de meninos endiabrados, que corriam atrás dos visitantes/forasteiros com varinhas e mamonas para afugentá-los. A última grande travessura foi a de jogarem uma pedra em uma enorme colmeia e dos monitores do Cinema no Rio terem que se jogar no chão e nos barrancos para se protegerem das abelhas “Zoropas”. Mas, antes do medo de sair desembestada por aí, com meninos grudados em minhas solas, passei os primeiros dias com a imagem de uma estranha igreja avistada do rio à medida que nos aproximamos de Barra do Guaicuí.
- Igreja Senhor Bom Jesus do Matosinho e sua temporada debaixo das águas do Velho Chico
Não havia me dado conta de que o barco diminuia seu ritmo, quando me deparei com a estranhíssima imagem da igreja de Senhor Bom Jesus do Matosinho, a reinar absoluta no alto do barranco, com uma gigantesca árvore a viver em cima do seu telhado. Ao seu redor, os meninos de Barra do Guaicuí, como guardiões das ruínas, nos fitavam curiosos e eu comecei então a imaginar que tipo de diabruras eles planejavam para nos receber. Mamonas? Varinhas? Abelhas? Apesar do receio de levar uma carreira de um bando de moleques, ainda assim consegui prestar mais atenção à igreja do que me ater à possibilidade de descer rolando por um barranco considerável.
Contam as histórias, que, há muito tempo, o Velho Chico, em uma de suas cheias, cobriu com suas águas essa antiga igrejinha, que guardava, entre suas paredes, a triste memória de um pai que havia matado enforcado o seu filho naquelas terras. Talvez o São Francisco, pai de tantos ribeirinhos, tenha se revoltado com a violência e resolveu limpar com suas águas a lembrança desta tragédia familiar. Não se sabe… O Velho Chico, no entanto, depois de sua silenciosa varredura, um dia resolveu recolher seus braços e deixar a história seguir seu curso. Com a seca e com o nível do rio mais baixo, a igreja reapareceu depois de sua longa temporada entre as águas e os peixes, trazendo em seu telhado uma gigantesca Gameleira.
Hoje, a igreja guarda, em seu telhado, a imensa árvore, que ali nasceu e se entranhou às suas paredes como um mural, vivendo ambas em uma estranha simbiose. A Gameleira talvez tenha sido a resposta de vida do Velho Chico à morte de um filho pelo seu pai. A vida talvez tenha continuado naquele tronco, naquelas folhas, naquela estranha presença. Enquanto todos desembarcavam e eu me preparava para subir mais um barranco, me peguei então a pensar se tinha mais medo de alma penada ou de histórias de meninos endiabrados, com suas mamonas, varinhas e abelhas “Zoropa” e de como passamos toda a nossa existência com medo tanto da vida, quanto da morte.
- Os duelos modernos de Barra do Guaicuí
Uma das missões do projeto Cinema no Rio São Francisco, além de levar cinema às populações ribeirinhas do Velho Chico, é mapear os personagens das cidades (que reúnem histórias e “causos”) e as manifestações culturais da região, como uma forma de resgatar e preservar a memória desses locais. Ao longo de cada edição, histórias são ouvidas, catalogadas e muitas delas passam a figurar nos documentários produzidos pelo projeto, a serem exibidos antes da programação oficial de filmes. É comum alguns dos habitantes das cidades visitadas desconhecerem muitos dos mitos que cercam seu local e assistir aos pequenos documentários produzidos pelo Cinema no Rio São Francisco passa a ser uma forma de entrar em contato com sua própria identidade. Há cidades, no entanto, que não é o passado que chama mais atenção, mas o presente. No caso de Barra do Guaicuí, o fascínio dos meninos da cidade em torno do funk acabou por se tornar o mote do documentário da cidade.
Pequena e sem muitas opções de lazer, Barra do Guaicuí acabou por se tornar palco de duelos modernos entre os meninos da cidade, que encontraram na atividade uma forma de passar o tempo. No lugar de espadas, uma caixa de som, que abrigava um mp3 player. O duelo? Quem colocasse o funk para tocar mais alto era o vencedor. Os meninos de Barra do Guaicuí, há um tempo atrás (quando o mp3 player ainda era novidade), marcavam um lugar na cidadezinha para duelar. Cada um levava a sua caixinha, outros levavam celulares. Quem ganhasse, levava para casa refrigerante ou dinheiro. Quem não tivesse nada em mãos para pagar o duelo, acabava por perder sua caixa. Nisso, o funk passou a fazer parte do cotidiano da cidade, sob protestos de uns (por considerarem o estilo musical violento e obsceno) e acato de outros. O certo é que estas caminhadas pelo sertão mostraram o quanto estamos presos ainda a alguns clichês, principalmente aos de que estes locais aparentemente remotos se encontram isolados do mundo. Temos, no fim das contas, uma imagem idealizada e romântica do sertão, quando ele já sofre, há algum tempo, seu próprio desmanche de bordas. O funk, em Barra do Guaicuí, então convive com histórias de lobisomem, almas penadas e benzedeiras, mostrando que a fina redoma que envolve o sertão simplesmente não existe.
Ficou curisoso em saber um pouco mais sobre Barra do Guaicuí? Então assista ao documentário produzido pela equipe do Cinema no Rio São Francisco.
Agradecimentos
A Inácio Neves, idealizador do Cinema no Rio São Francisco, pela oportunidade de fazer parte de um projeto como esse e a Juliana Afonso, pela confiança em meu trabalho.
Cantinho da Saudade
Um abraço apertado a todos os meus companheiros queridos de viagem e que me deixaram saudade: Juju (menina serelepe!), Góia (minha querida Góia!), Zinho (o cozinheiro mais bacana de todos os tempos), Vi, Iasmin (Deeeeeeeeeeeeeus!), Tetê, Marcela, Pamilla, Aninha (ser de luz), Fossati (a quem agradeço o papo) e André Teixeira (um dia aprendo a fotografar como vocês!), Débora, Sylvain, Rafinha, Mu, Lu, Paulinho, Matheus, Inácio, Fred, Adilson (que evitou, várias vezes, que eu despencasse dos barrancos) e toda a tripulação e a galera do técnico, que deu um duro danado! Ah, não podia esquecer da Érika, da Pati, do Alan, da Dani, que também estiveram com a gente no comecinho! Saudades docêis tudo!
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Nó, queria muito ter ido nesse lugar… adorei as fotos.
Bjs
Pense num lugar mucho lôco! Hahahahaha Vc iria trazer história pra mais de década de lá! 😀
Impressionante as imagens da igreja com a gameleira!
É de arrepiar ver uma coisa dessas!
Adorei o texto!
Bjos,
Lillian.
Lilian e te digo mais… As fotos que tirei (não sei fotografar, é fato) não dão conta da beleza/estranheza do lugar. Precisa ir lá para visitar. 😀
Beijão,
Jana.
oi janauna este lugar e muito lindo estive em uma edicao do cinema no rio foi jhow demais parabens pelo trabalho abraco pra todos e especial ai pro vaquinho pai de todos de cine rsrsrsr hakuna matata
perdao viu e janaina hakuna matata
[…] http://jeguiando.com/2012/05/10/barra-do-guaicui-mg/ […]
tem o mapa pra chegar no local?
Wil, um dos jeitos mais tranquilos para fazer isso é com assistência de um bom GPS. Pode optar por um aparelho de GPS mesmo ou aplicativos como WAZE ou Google Maps!. Sempre nos ajuda quando em enrascada.
Pegar a 135 até o posto Cerradão, pega a direita sai da BR 135 pega a MG 496 e segue passando por Lassance, Várzea da Palma, chegando em Pirapora não entre na cidade, pegue a primeira a direita na rotatória, pegando a MG365 em direção a Montes Claro, passe pela ponte sobre o rio das velhas, depois faça a rotatória e pegue a primeira a direita =>Chegou!
Legal esse lugar. Aproveitem para conhecer Bom Jesus da Lapa que também está nas margens do São Francisco. Lá tem uma gruta, a gruta do Bom Jesus, considerada entre as mais importantes maravilhas do Brasil e do mundo. Recebe mais de 1,5 milhões de pessoas por ano.
Se pintar a curiosidade de conhecer a cidade, não deixe de visitar essa página especial contendo todos os hotéis e pousadas de Bom Jesus da Lapa: (Conteúdo publicitário removido)
Oii, sou morada de Guaicui, e queria convida-los para fazer uma nova visita ao lugar!
Obrigada aos elogios a cidade!
Muito legal essas fotos, Jana, dessa igreja em ruínas com a árvore. Lembro que você tinha me falado dela, mas n tinha prestado atenção nas imagens. Bem legal mesmo.