São Paulo, por ter sido berço da Revolução Industrial no Brasil, contou desde o início com grande número de imigrantes. Desses imigrantes, podemos facilmente destacar os italianos. Em uma metrópole bebê, com grandes oportunidades e em uma época em que todos os ideais estéticos vinham da Europa, os barbeiros tinham um grande mercado a ser explorado. De grandes comerciantes e empresários ao trabalhador da indústria, a aparência ditava muito sobre quem você era e de que classe social vinha. A profissão foi perdendo espaço dia após dia, com as mudanças no hábito dos moradores da cidade, assim como na evolução ou modificação da oferta de serviços. Hoje em dia, os barbeiros são na verdade ecos de um passado que não volta mais.
Como todos que me conhecem sabem muito bem, gosto das coisas #roots! Quanto mais próximo da origem da coisa, mais me interesso, por isso comecei há alguns anos incursões nos mais antigos barbeiros que já me reportaram e agora começo nesse post, que por sinal desejo continuar expandindo, a falar um pouco sobre as experiências que pude viver nessa deliciosa viagem a um tempo que cada vez mais perde a conexão com o nosso contexto “moderno”.
Por estas andanças, pude, além de ter a barba e o cabelo tosqueados (já que não sou exemplo de metrossexual e costumo ficar parecendo um carneiro ou urso de tantos pelos), fotografar e registrar alguns examplares dessas antigas barbearias. A ideia por trás deste post é realizar uma homenagem aos bravos que sustentaram suas famílias através deste belo ofício, mostrar um pouco aos nossos leitores a atmosfera e energia destes estabelecimentos e trazer à tona uma questão muito simples: a efemeridade da condição humana em uma sociedade que simplesmente não para.
- Barbearia do Sr. Heitor, o Barbeirinho.
Aos residentes da Zona Leste de São Paulo, há uma barbearia discreta e sem muitos mobiliários de época, que é o ponto de trabalho do Sr. Heitor – um simpático e falastrão velhinho com mais de 80 anos de idade e pelo menos 60 de profissão. O traje é justamente o mesmo tipo utilizado desde seu primeiro dia de ofício. Camisa branca, avental e calça social. Em dias de mais calor, como ele mesmo disse, a camisa sobra e apenas o avental já faz o negócio.
Conversando com o barbeirinho, como é conhecido na região pelos mais antigos, Sr. Heitor revela que hoje o trabalho é mais uma terapia do que fonte de renda e que é uma ótima forma de se manter atualizado com as conversas dos amigos e também esfriar a cabeça das reclamações que sua esposa faz sobre a vida. Aparentemente, a fórmula funciona, pois seu casamento já dura mais de 45 anos e, como ele mesmo diz, adora aquela italiana mandona.
– Localização: Barbearia do Sr. Heitor – Av. Regente Feijó, 280, Água Rasa – São Paulo, SP.
- Barbearia César (Guga’s Barbearia)
Atendendo no bairro do Paraíso desde 1954, o imigrante italiano Césare foi funcionário do também imigrante italiano e fundador da Barbearia Guga’s, o Sr. Augusto. Com a aposentadoria em 1985 e posterior falecimento do fundador em 1997, Sr. Césare assumiu os negócios e vem mantendo a operação da casa desde então, agora com o auxílio de seu filho. Bom de papo, relata memórias de um tempo já há muito esquecido pelo coletivo.
Residente da Vila Esperança, diariamente faz o caminho entre a Zona Leste (Metrô Patriarca) e a Barbearia na Rua Abílio Soares, 986, no bairro do Paraíso. Atualmente, o Sr. Césare é o mais antigo barbeiro da região e, com alegria, confidencia que já chega a cuidar do visual de 3 gerações de clientes.
Dentre suas lembranças, está o tempo em que a nossa Avenida 23 de Maio era na verdade o Rio Itororó. Lá, muitos moradores iam caçar rãs no brejo, que circundava o leito do rio. Nesta mesma época, ainda confidencia que o quartel não era murado e apenas havia uma cerca delimitando o perímetro. Como ele mesmo diz, era um tempo em que nada acontecia e a calma era a rotina.
- Barbearia do Valter
Fanático por futebol, o Sr. Valter conta que herdou a barbearia do pai e que de lá tira seu sustento há mais de 50 anos. O mobiliário da barbearia é o mesmo desde a inauguração da casa pelas mãos de seu pai há mais de 80 anos. Sem dúvida, esta foi a experiência mais afetiva de todas. O mobiliário nos transporta realmente à época de ouro das barbearias, onde tudo era feito com capricho e para durar.
O papo durante o ofício foi bastante animado. O Sr. Valter é um entusiasta do futebol e relatou com grande alegria sobre o histórico dos times da região do Pari, Vila Maria, Brás e Mooca. Enquanto tratava de minha aparência, não desgrudava os olhos e ouvidos da TV, que, com um som baixinho e quase ambiente, transmitia um jogo do Corinthians (seu time do coração) contra o São Caetano.
Durante o trabalho, foi dissertando com calma e conhecimento de causa sobre algumas figuras da região, entre elas o dono das lojas de calçados “Alfredo” e como este era quando criança. Além de conhecido, Alfredo era também alvo de chacota no time em que jogava, por ter 11 irmãos que dividiam uma casa com menos de 4 cômodos.
Enquanto Sr. Valter prestava atenção ao jogo, eu viajava olhando o mobiliário e sentindo o cheiro de óleo de máquina lubrificando as tesouras, a navalha amolada na tira de couro e o cheiro do creme de barbear Palmindaya, que meu avô Idalino usava. Fiquei cheio de alegria por poder experienciar, ainda nos dias de hoje, algo que era trivial há pelo menos 50 anos atrás.
A verdadeira magia encontrada nestas barbearias é, sem dúvida, a sensação de que o tempo parou e poder utilizar o serviço de profissionais com tanta experiência é algo vibrante e surpreendente. O ponto alto, para quem tem bons ouvidos, é prestar atenção às expressões utilizadas por eles durante o trabalho. Em alguns momentos, pude me sentir conversando com o Adoniran Barbosa pelo jeitinho de falar do Sr. Valter. Consegui ainda vivenciar a alegria do Barbeirinho Heitor ao dizer que conheceu muita gente através da cadeira de barbeiro, algo que o ajudou a superar sua timidez. Ainda pude também perceber o perfeccionismo, seriedade e concentração do Sr. Césare ao executar suas manobras com a tesoura e navalha, até conseguir o resultado por ele desejado.
Espero, por fim, ter consigo contagiar nossos amigos Jeguiantes com um pouquinho da visão sobre estas joias, que ainda se encontram escondidinhas nos mais diversos cantos da cidade, e estimular a todos a tentar algo diferente, como ter o prazer de sentar-se em uma cadeira de barbeiro e deixar os experientes profissionais fazerem aquilo que sabem há mais tempo do que muito de nossos leitores existem!
Caso esteja em São Paulo e queira conhecer uma alternativa moderna, com estilo retrô e bastante interessante, vale ainda uma visita ao post sobre a Barbearia 9 de Julho. 🙂
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A melhor matéria do Jeguiando!
No meio de tanta tecnologia a gente se esquece do prazer e do valor que há em se cultivar os pequenos detalhes de antigas tradições. Provavelmente porque sou uma pessoa sinestésica, fantástico os móveis repletos de detalhes, muitas vezes talhados a mão, as cores, a textura e o cheiro do rústico deixa tudo mais humano, mais familiar. Estou ficando velhos isso nos traz boas lembranças hahaha.
E parabéns ao Sr. Valter,é sempre bom ver, no semblante das pessoas, a realização pessoal de uma vida inteira.
Valeu Beto! Sinceramente não tiro da cabeça também o amor à profissão do Sr. Manabu e o seu tio. Literalmente cortando os blocos das lentes dos óculos artesanalmente!
Cara, vivemos em uma época em que tudo é no atacado e esses pequenos detalhes do suor humano na confecção, vão ficando cada vez mais na memória dos velhos… (como nós estamos ficando).
Sempre quando escrevo acabo tomando uma linha muito emotiva, mas acho que isso é o que nos dá sensação de unidade e conecta uns aos outros!
Valeu pelo comentário! Fico feliz mesmo em ter conseguido passar a mensagem!
Post muito bonito.Deve ser realmente mágico se sentar em uma dessas barbearias, é como voltar no tempo.
Oi Ludmy,
De verdade é uma experiência deliciosa para quem gosta de ouvir o outro. Não é trendy, nem hype, mas acho importantíssimo valorizar o trabalho de profissionais que vivem há tantos anos realizando a mesma prática! Eu realmente adoro sentar com os velhinhos pra uma boa prosa, e espero que quando eu estiver mais amassadinho pelo tempo, ainda existam pessoas como eu e grande parte dos nossos leitores que sabem valorizar a história viva! 🙂
Olá Erick, dá uma passadinha na Barbearia Phidias para nos conhecer! Rua 24 de maio, 77 loja 08.
Att.,
Luis
Olá Luis, tudo bom?
Posso dar uma passada para conhecer a casa, fotografar e fazer um “flat top” essa semana, pode ser?
Abs,
Pesado
[…] surpresas. Em Fevereiro de 2012, publicamos um post com tom passional e saudosista falando sobre as barbearias antigas de São Paulo. Desde então, esse tema continua recorrente em nosso dia a dia – sempre que a Jana e eu […]
Sr. Cesare!!!
Excelente barbeiro, me atende ha mais de 15 anos, excelente!!!
So corto com ele…
Parabens pela dedicacao…
Sempre gasto 40 minutos, nao importa como esteja meu cabelo…
Parabens!!!
Leandro,
Obrigado pelo relato. É bom saber que estamos conseguindo atingir o público 🙂
Abraço,
Erik