Em homenagem ao meu pai, Luiz Fernando Calaça
Em janeiro de 2009, peguei estrada rumo ao sertão pernambucano com minha família. Não fazia aquele caminho desde menina, quando, em um carro apertado, meu pai decidiu reunir todos nós para rever os seus parentes, depois da notícia doída de um desemprego inesperado. Na hora da tristeza, é normal buscar as raízes para se fortalecer e foi por isso que, para acompanhar meus pais, me lancei àquela viagem ao sertão, alheia aos olhos tristes e desiludidos de meu pai e da preocupação de minha mãe, na inocência alegre da infância. Em 2009, não havia desemprego, só saudade e essa foi a razão de nosso retorno, depois de tanto tempo. Meu pai deixou sua terra muito cedo, ainda menino, para tentar a vida e fugir da sede e da fome, destino selado com os longos períodos de seca que assolam a região de Floresta do Navio, terra onde ele nasceu.
Floresta, para quem não conhece, é um município pernambucano localizado próximo aos rios Pajeú, São Francisco e Riacho do Navio e conhecido como a “cidade dos tamarindos”. A região foi palco, até há poucos anos, de sangrentos conflitos de terra, em que famílias rivais disputavam a ferro e fogo os limites das fazendas e o gado por sucessivas gerações. Apesar do sofrimento marcado pelos longos períodos de estiagem e pelos ciclos de vingança de famílias rivais, todas as vezes que ouço meu pai falar de seu sertão com olhos embargados de saudade, lembro das imagens que vi e que trago desta última viagem, para tentar adentrar em seu imaginário e compreender profundamente a sua saudade.
Um céu profundamente azul, a natureza se lançando em cor e vida, resistindo à chegada da seca. Uma velha casa, a simplicidade do candeeiro aceso à noite, em que as estrelas brilham nítidas, sem a disputa de vitória impossível com as luzes artificiais das grandes cidades – é aí que as lembranças começam a aparecer. Minha memória do sertão pernambucano está marcada pela lembrança da fazenda de meus falecidos avós paternos, que se tornou para mim metonímia, em uma mistura de imagens de minha infância com a minha última viagem à Floresta. Lembro do chão seco, poeirento e rachado, da vegetação rala e rara e do gado, já de ancas murchas, balançando o badalo pendurado no pescoço, produzindo a única canção que se ouve por lá. Lembro da cerca de madeira irregular, cortada pelas mãos já calejadas de meu velho tio, que divide e distingue a terra de um da terra do outro, limites que se tornam invisíveis diante da ganância e que disparam conflitos e ciclos infindáveis de vingança. Mas lembro também de minha vó jogar o milho no terreiro para as galinhas, de ferver o leite, de servir o cuscuz e ainda a vejo debruçada na janela da velha casa, com seu lenço no cabelo e seus olhos perdidos no verde pálido das árvores, que se mantinham resistentes, como todos aqueles que se mantinham por lá apesar da seca.
Entre os seus contrastes, o sertão em minha memória é beleza e resistência; é o limiar sempre presente da vida e da morte, uma aprendizagem. No silêncio de suas paisagens, no vento que demora a aparecer, mas quando aparece levanta redemoinhos, a vida ali luta sem cessar para não padecer. Resgatando as palavras do escritor Euclides da Cunha de que “o sertanejo é, antes de tudo, um forte”, penso que o sertão encontra sua beleza na resistência e esta se propaga àqueles que nasceram lá. Talvez chegando a esta conclusão, eu compreenda melhor a alma resiliente de meu velho pai e a saudade sempre presente de suas origens. Esta saudade que sempre o arremata talvez tenha haver com a sua alma, que aprendeu a resistir diante dos momentos de estiagem. No fim, ele deve se sentir parte do sertão e longe dele um pedaço seu falta. Talvez seja por isso também que eu me emocione ouvindo histórias de raposas doidas, de roubos de goiaba e de palma servindo de comida para aplacar a fome; uma parte de mim, herança de meu pai, também é sertaneja e também enxerga a beleza onde muitos só enxergam seca e tristeza, morte e desesperança. O sertão é, sobretudo, uma afirmação diária de vida.
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Nesse chão ainda piso! Minhas raizes também desta terra absorveram neguinha!
E aproveito e caço dados da minha vó!
Pisará sim, zu e ao meu lado! Por coincidência ou não, Floresta faz parte de nossas vidas e quem diria… Descobrimos que raízes em comum nos unem. 🙂
Te amo.
Jana. 🙂
Post fantástico! Amei!
Só pelas descrições e fotos já valeria o meu parabéns…
Mas gostei mesmo da prosa quase repentista de saudade e amor, própria de um sertão nordestino que eu já visitei e aprendi a gostar mesmo como garota de cidade grande – estava lá em 98 e 99, anos da grande seca e das capas de Veja com crianças comendo calango.
Sou uma apaixonada pelo sertão nordestino e pelas suas histórias, musicadas e carregadas por quem vem de lá.
E nem sei explicar o porque… Talvez porque acredito que há mais vida nos lugares que trazem história do que nos outros que é só fachada. E lá é bem típico em ter histórias tristes (e ainda assim, muito bonitas), cheias de saudade e calor…
Gostei… Vai ter mais ou foi só para dar um gostinho de saudade?
Bjos saudosos, nega!
O sertão é lindo, mesmo em sua dor, minha nêga e representa todo um povo que não cede diante da vida dura. Todo o meu respeito e carinho ao sertão e ao povo sertanejo. 🙂
Um grande abraço!
Saudades de tu, zoiuda. 🙂
Jana.
Que lindo, Jana! Essas viagens às raízes são mesmo sempre emocionantes… Em 2009, fiz uma com minha irmã, meu pai e meus tios à cidade e casa do meu avô, em Portugal, com direito a ver parentada que eu ainda nem conhecia, e foi lindo, muito lindo. Essas viagens ficam na alma.
Mari! Que bom vê-la por aqui! 🙂
Essa viagem foi importante sim, minha nêga. Sem a tristeza de uma crise financeira, um momento só para rever a família. Conheci primos q n conhecia, revi tios, relembrei momentos quando menina, pisando novamente naquela terra. Vi de onde vim de alguma forma, afinal minha raízes também estão fincadas lá e aprendi que, mesmo em meio ao sofrimento da terra seca, ainda há muita beleza e esperança nos olhos de quem ainda vive por lá.
Beijos, minha nêga!
Jana.
Lindos, post e lugar. Tem cheiro de lenha e café, suor e estrume de boi, bolo quente saído do forno. Memória é sempre um belo destino. Sorte sua ter essa raiz. Parabéns e um beijo.
Beto, obrigada por passar aqui! 🙂 Esta viagem, além de viagem, como você mesmo pontuou, também foi sensorial. 🙂
Um grande abraço,
Jana.
Puxa vida, um dos melhores posts que já li. Belo texto e fotos. Está de parabéns !
Obrigada, Helder! E volte sempre por estes cantos! É só puxar o banquinho! 😀
Beijão,
Jana.
Que texto lindo!!! Nossa!!! Fiquei emocionada e arrepiada! “… a beleza onde muitos só enxergam seca e tristeza, morte e desesperança”. Lindo!
O sertão é isso, Ana. Resistência e beleza, mesmo quando muitos estão com os olhos fechados demais para enxergar.
Abs,
Jana.
JAnaína, essa sua emoação é a que eu sempre sinto quando tenho a oportunidade de andar pelo sertão. Meus ascendentes também são pernanbucanos e tenho memórias fantásticas das viagens que fiz para visitar parentes no interior de Pernambuco.
Como você, sempre consegui enxergar beleza onde muitos só enxergam seca e tristeza (e isso sem fazer vista grossa À realidade difícil do sertanejo).
PArabéns pelo texto. Impecável.
Guedes, sempre fui uma entusiasta da simplicidade, porque é nela que está a verdadeira beleza. Essa viagem ao sertão foi um resgate.
Um grande e forte abraço,
Jana.
Janaína, parabéns pelo texto e fotos. Suas descrições foram de extrema felicidade. Faltaram mais fotos das belas casas da cidade, do cemitério “Constantinopla” como batizou João Cabral de Melo Neto e do rio que passa pela cidade. Não sou “florestano ausente”, mas conheço cada esquina daquela cidade. O “orgulho florestano” é algo difícil de descrever, mas está em cada frase do seu povo. A festa de final de ano consolida esse amor, quando o “florestano ausente” retorna às suas origens. Apesar das guerras familiares, que a divide em duas, Floresta é uma cidade que me encanta e me faz retornar todos os janeiros. Parabéns e retorne mais vezes.
Olá, Antonio! Td bem?
Antonio, na verdade essa crônica foi escrita para falar do sertão e não apenas de Floresta, por isso não me alonguei. Foi um recorte, um olhar sobre o cotidiano e símbolos sertanejos. 🙂
Um grande abraço,
Jana.
Que post gostoso Jana… tão bom reviver momentos em diferentes fases da vida, né?
O Jeguiando está cada dia melhor 🙂
bjos
Ô, Mirella! Obrigada, viu? Para mim este post foi uma jornada interna. Lembrei de fatos e pessoas q há muito não povoavam meu imaginário, principalmente pela loucura da vida cotidiana. É preciso não esquecer… É preciso sempre reviver!
Um grande beijo,
Jana.
Jana, seu post tá lindo. Fui lendo e lembrando da música “Riacho do navio”.
Olha ela aí: http://m.letras.terra.com.br/luiz-gonzaga/47101/
E me lembrei também da narrativa que você fez da viagem anterior, a da infância, que eu li por aqui faz um tempinho. Tô certa?
Gosto muito desta música, Carmem! Aliás, adoro as canções de Gonzagão, que me acompanharam ao longo da vida, seja nas festas de São João ou até mesmo aqui em São Paulo, quando a saudade do meu nordeste batia (e bate sempre!). Escrevi uma crônica anterior sim. Uma crônica da minha primeira viagem, que calhou de ser justamente para Floresta. 😀
Um grande abraço, minha querida!
Jana.
Há muito tempo não lia um texto tão verdadeiro…
Sou também do interior, mas do Maranhão e lá é chapada, muito seca, na seca e amena em outras épocas.
O texto é belo e retrata o que conheço daqui de Pernambuco, pois o tenho no coração por morar há tantos anos por cá. Agora não totalmente, mas aqui é o meu porto seguro…
A terra seca, mas lá ao longe um pequena flor de mandacaru, é de enternecer o coração de cada um de nós que vive ou viveu ou pisou nesse chão.
Vou ficar freguesa de cá…
abs,
Francy e Carlos,
a descrição da flor de mandacaru é perfeita. 🙂 Cor e vida entre o solo poeirento. 🙂
Volte sempre e fique à vontade! A casa é nossa! 😀
Beijão,
Jana.
Oi Janaína, lindo post. Eu tb tenho origens no sertão, mas no ceará. Mas no meu caso meus avós ainda estão por lá. Meu pai que veio pra cá qd tinha uns 20 anos e até hoje volta TODO ANO lá. Acho interessante essa ligação que eles têm com a terra que não se desfaz nunca, essa necessidade de sempre voltar que eu não vejo em outros migrantes – eu por exemplo sou de minas, saí de lá com 14 anos, morei em cabo frio, onde meus pais moram, mas não volto nunca a nenhnum dos dois lugares, não sinto essa necessidade. Mas meu pai, nossa, ama a terra dele. Acho que, aliás, é esse tipo de relação que dá sentido a essa frase “terra dele”, é uma relação realmente de pertencimento e raízes. E raízes que não morrem, né? Abs,
Oi, Jackie!!! 🙂
Kackie, entendo o seu pai, assim como entendo profundamente o meu. Nasci em Salvador e n passo 6 meses sem dar um pulo lá para recarregar as baterias. A mesma paixão q meu pai tem pela terra dele, tenho pela minha. Qnd estou lá, me sinto completa, como se nada faltasse. 🙂
Um grande e forte abraço,
Jana.
Pq sou tão desnaturada? Digo, desterritorializada hehehw Não tenho essa ligação com minha cidade de origem, nem com cabo frio, onde vivi um tempo. Até brincamos eu e meu marido com isso e digo que meu lar é o coração dele, pq lugar mesmo, físico, não consigo me ligar assim a nenhum. Acho lindo a relação de vcs. Quem sabe desenvolvo isso aqui pelo Rio, pq já tô aqui há 10 anos e realmente é onde me senti mais feliz até hj =)
Quem sabe, né?
abraços!
Lindo!
Obrigada, Eva! Volte sempre por aqui! 😀
Lindo post. Adorei as fotos, em especial a da coruja. Uma foto assim é um momento único. Nosso pais realmente é cheio de riquezas, seja na gente, seja na terra.
Valéria, nosso Brasilzão tem é coisa pra ver. É bonito e merece ser conhecido até na simplicidade de seus locais mais remotos. 🙂
Um grande beijo,
Jana.
Meus parabéns, belo texto e imagens idem. Realmente inspirador.
Obrigada, Renata!
Um grande abraço!
Jana.
Que lindo! Senti uma vontade de voltar pro meu sertao 🙂
Obrigada pelas fotos, texto e sensibilidade!
E agradeço de tabela ao Ric, q me mostrou o blog de uma conterranea que ainda nao conhecia.
Parabéns!
Paula
Oi, Paula! 😀
Paula, sou apaixonada pelo nordeste e pelo sertão, principalmente por todos os anos de histórias que ouvi de meu pai. Ver o sertão de perto foi uma das experiências mais profundas que tive neste amor que tenho também por colocar o pé na estrada. 🙂
Beijão e volte sempre, conterrânea!
Jana.
Como um bom Nordestino longe da minha velha terra natal, fiquei emocionado em ler a sua matéria e ver essaa fotos que mostra bem a realidade deste povo sofredor, mais guerreiro. Sinto falta de tudo isso vivendo agora no primeiro mundo, e me dei conta que as suas raízes falam mais alto.
neste seu artigo me veio a memória o quenato essa gente é lutadora e resistente. Parabens pelo artigo e o bom trabalho
João Lucena
João, vivo hoje em São Paulo, mas lembro todos os dias do meu nordeste querido. As raízes nos sustentam no mundo e as minhas ainda estão bem fincadas.
Um grande e forte abraço,
Jana.
Olá Janaína!
Há poucos dias acessei o seu blog para ver umas dicas sobre Bariloche (estou indo pra lá em março/13 – BsAs/Bariloche/Gramado). Sou de Recife-PE e me identifiquei de cara com este belo post sobre o sertão e mais particularmente sobre Floresta dos Navios, terra natal do meu querido paizinho. ADOREI! Me veio agora a memória minhas férias de infância e adolescência que passava na fazendo do meu tio às margens do São Francisco! Quanta saudades daquelas histórias de Lampião e Maria Bonita, quantas saudades meu Deus! Meu pai sempre fala dos livros que mais gosta “Os Sertões” e “Guerra de Canudos”… enfim, você está de parabéns! Beijo grande!
Andréa
minha FLORESTA querida onde nasci, hoje longe guarda minhas saudades e em teu solo estão depositadas parte de mim para sempre.o meu filho GABRIELL. Assima de tudo que ja nos unia hoje estamos ligados para por toda a eternida. FLORESTA fique em paz e saiba que EU TE AMO.
Jeguiando, o blog de viagens e turismo mais top que conheço. Parabéns Jana e Erik, vida longa ao Jeguiando. Belo texto e lindas fotos. Forte abraço pra vcs, fiquem sempre com Deus.