Caros leitores e amigos, sei que este post vai destoar um pouco do conteúdo de nossas postagens, mas peço licença a vocês para publicá-lo, porque o assunto que trato hoje está relacionado ao nosso cotidiano: ao meu, ao do Erik e de muitos de nossos leitores. Como viajantes, Erik e eu temos tentado mostrar que pessoas gordas podem levar uma vida comum e participar de atividades que muitos acreditam serem proibidas para indivíduos acima do peso ideal. Temos tentado quebrar estereótipos e tabus sobre pessoas obesas e tornar a nossa sociedade um pouco menos preconceituosa e mais inclusiva. Diluir preconceitos é uma tarefa árdua e exaustiva, mas acredito no trabalho de formiguinha. Mesmo que eu não alcance o dia em que as pessoas não serão mais agredidas por seu porte, pelo menos estou tentando fazer a minha parte para tornar as pessoas um pouco mais tolerantes. Beijão para todos!

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Enquanto você grita que não temos o direito de viver uma vida comum, nós estamos vivendo!

Hoje, pela manhã, eu estava passando os olhos pelo Facebook, quando me deparei com uma postagem sobre biquínis para garotas gordinhas e gordas, publicada por uma revista feminina. Os modelos me chamaram a atenção mesmo não sendo adepta ao biquíni (desde criança, sempre preferi o maiô), e depois, por curiosidade, resolvi ler alguns comentários sobre a postagem, porque sei que manifestações preconceituosas sempre aparecem em comentários de posts e artigos relacionados a gordos (sempre, e isso não é uma generalização).

O preconceito em relação a gordos não nasceu hoje; ele é antigo. Convivo com tal presença há anos. Atravessei minha infância e adolescência ouvindo barbaridades por ser gorda. Tornei-me adulta e continuo a ouvir e ler barbaridades e sei que, quando me tornar uma anciã, ainda terei de conviver com os ecos de tanta ignorância e total (total, reitero) ausência de empatia em relação ao outro.

A obesidade tem origem multifatorial. Não se reduz simplesmente à ingestão excessiva de comida. Ninguém é obeso apenas por comer muito; há muito por trás da obesidade. Sedentarismo (quantas pessoas trabalham de seis a dez horas por dia, sentadas diante de um computador?), problemas metabólicos causados por desequilíbrios hormonais, compulsão (que está relacionada a questões psicológicas), e até a questões econômicas e sociais. Muitas vezes o indivíduo não ganha o suficiente para manter uma alimentação saudável e variada e acaba apelando para alimentos rápidos e baratos para sobreviver. Enfim, esses são apenas alguns fatores relacionados à obesidade. Alguns fatores, friso.

Paralelamente aos desafios cotidianos que todo gordo enfrenta (transporte público, mercado de trabalho muitas vezes excludente à imagem do obeso, a eterna briga com o peso etc.), ainda há a pressão social diária e a agressão gratuita, seja nas ruas, em casa, no ambiente de trabalho, ou até mesmo em comentários de postagens sobre biquínis para mulheres gordas, artigos sobre uma exposição de Botero ou sobre a vida sexual de pessoas obesas. Sempre, pode checar, há uma enxurrada de comentários grosseiros e agressivos sobre nós. Sim, nós, porque eu me incluo neste grupo.

O que me intriga diante dessas manifestações de ódio são os seus motivadores. O que faz uma pessoa agredir verbalmente outra na rua ou na internet por ser gorda? O que motiva o ódio dessas pessoas? O que elas estão tentando preservar? Do que elas têm medo?

Assim como a obesidade é uma questão de origem multifatorial, o preconceito certamente nasce de questões diversas. O problema, no entanto, é tentar entender de onde ele vem e para quem ele trabalha. Quem ganha com o preconceito aos gordos? Quem está lucrando com isso?

Vivemos em uma sociedade capitalista e somos bombardeados o tempo todo pelos mecanismos de estímulo ao consumo. Longe de querer reduzir o preconceito aos gordos apenas a isso, não posso deixar, no entanto, de imaginar como muitas pessoas estão sendo utilizadas por essa “máquina” como uma engrenagem, sem mesmo ter noção disso.

A indústria farmacêutica lucra com a obesidade (vendendo remédios, shakes e uma infinidade de produtos para emagrecimento). Clínicas estéticas lucram com a obesidade (com plásticas, lipoaspirações e outros procedimentos). Academias lucram com a obesidade. Revistas vendem receitas milagrosas para o emagrecimento. Há muitos setores que lucram com o combate à obesidade e que se encontram orquestrados para garantir o fluxo contínuo do lucro.

Usei o termo “orquestrados”, porque, por mais que esses setores pareçam desconectados, eles trabalham juntos para lucrar com o combate à obesidade. A mídia, inclusive, é um grande e importante fator nesta equação. Ela dita os padrões (somos bombardeados o tempo todo pelo padrão “magro” como o ideal a ser alcançado), que são assimilados por uma parcela considerável da sociedade, que não só reproduz tal padrão, como pressiona aquele que não se encaixa nele. E essa pressão ou se dá de forma mascarada por uma pseudopreocupação com a saúde alheia ou por meio de ataques grosseiros e diretos. Disse “pseudopreocupação com a saúde alheia”, porque duvido muito que a minha obesidade ou a de quem quer que seja atinja diretamente a vida de alguém.

Penso, então, que o preconceito ao gordo, que deve ter razões diversas, também bebe da nossa sociedade de consumo, que não só cria padrões, como usa esses padrões para continuar a lucrar. O preconceituoso, dessa forma, acaba sendo uma peça importante nessa engrenagem. Ele faz a pressão sobre o gordo acontecer, faz o gordo partir para dietas e remédios milagrosos, para intervenções cirúrgicas invasivas, para a punição e rejeição ao seu corpo. O preconceituoso, no entanto, muitas vezes nem sabe o quanto é manipulado nem identifica que é apenas um joguete. Ele acredita que aquilo que profere como discurso é fruto de sua “opinião”, mas nem consegue imaginar o quanto a sua “opinião” é construída e reiterada em seu imaginário por mecanismos silenciosos e eficientes. O preconceituoso é um indivíduo que se esqueceu de analisar o mundo criticamente, mas que ainda acredita no contrário.

Não saberei responder à pergunta que fiz a mim mesma em um dos parágrafos do texto. Não saberei responder quais seriam os motivadores do ódio às pessoas gordas, das agressões gratuitas, do grito de muitos de que não temos o direito a viver uma vida como todos. Apenas continuo a afirmar que, por mais que a sociedade nos aponte o caminho da homogeneização, tentando nos fazer acreditar que devemos obrigatoriamente e cegamente seguir padrões, temos que, individualmente, lutar pelo contrário: pelo respeito à diferença. E não só pelo respeito à diferença, mas sobretudo pela inclusão. Devemos lutar cada vez mais por uma sociedade inclusiva e não excludente, em que as diferenças não sejam atacadas, combatidas e violentadas, mas acolhidas em sua pluralidade. Portanto, meu corpo não é problema seu, mas o seu preconceito é problema nosso.

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12 Comentários

  1. Luciano disse:

    Parabéns pelo texto,convivo com isso o tempo todo,tanto no cotidiano como nas viagens e sempre reclamo nos meus posts,só quero ser respeitado. Abraços.

    • Oi, Luciano.

      Sim, escrevi este texto por isso: só quero respeito. Ser obeso não é uma escolha, não é um estilo de vida. Há muita coisa por trás da origem da obesidade que muitas pessoas simplesmente ignoram, mas o que é incompreensível é toda a agressividade dirigida ao indivíduo com sobrepeso.

      O que motiva tantas agressões gratuitas? Eu realmente não sei. O que sei é que não renunciarei à minha vida por ninguém, muito menos por quem não me respeita.

      Um grande abraço,

      Jana. =)

  2. Ótimo post Jana!!!!
    Também não entendo o ódio gratuito e o motivo de tanto incômodo! E, sim, o padrão de beleza atual me incomoda muito!
    Beijão!

    • Oi, Tata! =)

      Tata, eu lancei esse questionamento para mim e para os leitores para tentar entender a origem não só do preconceito em relação a gordos, mas tentar entender também a origem do preconceito em si e suas manifestações.

      Acho deprimente alguém perder minutos de sua vida para agredir gratuitamente uma pessoa e ainda querer impor padrões excludentes, simplesmente porque quer nos fazer engolir um padrão que não respeita a pluralidade.

      Foi uma reflexão apenas, mas espero que ajude muitas pessoas a pensar. =)

      Um grande abraço,

      Jana.

  3. Dau Queiroz disse:

    Parabéns, Janaína!
    Bom texto. Profundo e verdadeiro!

    • Olá, Dau! =)

      Escrevi este texto não apenas como um desabafo, mas como uma tentativa de fazer algumas pessoas, que, por alguma razão, caírem aqui, reflitam sobre a questão do preconceito e da intolerância, seja ele qual for.

      Um grande abraço baiano,

      Jana. =D

  4. Olá, Jana.

    O melhor texto que já li sobre o assunto.
    Sou farmacêutica e você nem imagina os ABSURDOS que MUITAS pessoas fazem para obter um corpo “ideal”
    Também não consigo entender esse ódio grátis, acho que muitas pessoas gostam de humilhar os outros para se colocar num patamar superior.

    Abraço, Pry.

    • Erik PZado disse:

      Pry é uma coisa estarrecedora. Só não consigo entender a origem desse mal. Se as pessoas se submetem a absurdos da farmacopéia, imagine o medo de tornar-se um gordo!? Só sei que a diferença entre um gordo e um magro deveria ser apenas o peso, mas em nossa sociedade não é.

  5. Parabéns, adorei o seu texto.
    Eu também vivo um inferno por causa do meu peso, e o pior de tudo, que os piores comentários vem dos familiares. É complicado.

    Abraços,

    Juliana Tavares

    • Erik PZado disse:

      Ju, essa intolerância é mero fruto da ignorância arraigada a “cultura” do corpo. De fato em um Apocalipse Zumbi seremos os primeiros, mas isso é só mais um ponto para que os demais defendam nosso direito ao porte pesado :D. Brincadeiras a parte, força aí e faça como nós: Seja você e faça o que quiser! Simples assim! Você é capaz de fazer tudo o que deseja! 😀

  6. Jana parabéns pelo texto, suas palavras são muito sábias e verdadeiras, o preconceito nunca será gratuito e sempre terá algo por trás, o padrão de magreza e beleza na nossa sociedade gera um maquina sem precedente, como você mesmo comentou a obesidade pode está relacionada a diversas causas e nenhumas dela é da conta da outra pessoa, sou nutricionista e vejo e vivo num mercado de consumo por magreza sem igual,o que a indústria alimentícia e farmacêutica ganha pra manter esse padrão é absurdo e preocupante, terrorismo nutricional e social faz algumas pessoas não ter prazer em se alimentar e isso e tão triste como preocupante, a ignorância das pessoas é algo que é usado contra elas mesmas.

  7. Jeane Lima disse:

    Boa reflexão Jana! Parabéns!
    bj grande!


 

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