Nordestina por origem e cidadã do mundo por vivência


Quem acompanha o Twitter, certamente, se deparou com um lamentável episódio ocorrido após a eleição da candidata do PT, Dilma Rousseff, desencadeado pelo infeliz comentário da estudante de Direito Mayara Petruso, lançado na citada rede social. Em suas palavras, a estudante diz que “Nordestito (sic) não é gente, faça um favor a SP, mate um nordestino afogado”.  Para saber como tudo começou, acesse o blog Quase 1 Nerd e acompanhe também o  Diga não à Xenofobia.

Sou nordestina e vivo em São Paulo há três anos. Não foi com surpresa que li este comentário, afinal o preconceito e a segregação existem, mas não podemos atribuir um discurso infeliz de uma paulistana a todos os paulistanos. Não podemos atribuir um discurso de uns a uma coletividade. A pessoa com quem divido a vida é paulistana. Erik nasceu em São Paulo e é filho de uma pernambucana e neto de baianos. É interessante ver que em nossa união tivemos muito de troca, em vez de imposição de uma cultura em relação a outra. Através desta convivência, aprendi com ele e ele comigo.

Acho até engraçado quando as pessoas dizem que estamos evoluindo. Evolução nada tem haver com a forma linear como o tempo avança para a frente. O tempo segue seu curso, mas nós, muitas vezes, damos fortes braçadas para trás. O mesmo discurso de intolerância e de suposta supremacia de uma cultura em relação a outra “justificou” atos de barbárie e aculturação, que inclusive fazem parte do processo de colonização das terras que hoje compõem a nação brasileira. Em função deste “suposto direito divino” que muitos acreditam ter, por acharem que sua cultura é “melhor” ou “superior” a do outro, índios e negros foram dizimados e tiveram suas culturas sufocadas por aqueles que se colocam em uma posição de supremacia.

Acompanhando a repercussão do caso, vi que não só os nordestinos foram alvo da fúria dos descontentes. Índios e negros também. No fim das contas, dá ou não dá a impressão de que muitos fizeram uma viagem no tempo e assumiram o discurso dos homens das Caravelas? É, o tempo segue seu curso, mas as braçadas para trás são fortes.

Como disse, não vou me deixar contaminar pela generalização. Não vou medir um estado nas dimensões de São Paulo pelo discurso equivocado de uns. Assim como não apoio o discurso de resposta que use das mesmas armas. Não. As pessoas que estão incitando o ódio ao Norte, ao Nordeste, a negros e índios repetem aquilo que ouvem e passam para frente. Se conhecessem um pouco da realidade do outro não falariam do que não conhecem. A geração de hoje precisa se dá a oportunidade de conhecer outras realidades para não serem vítimas da pretensão de que só a sua é válida. Muitos se esquecem que, da mesma forma que constroem um discurso sobre o outro, são passíveis de serem construídos também. Que tipo de realidade queremos? A da intolerância alimentada por clichês ou a da abertura para a necessidade de conhecer o outro.

Todas as culturas são legítimas e legítimo é o direito de serem respeitadas. Não posso julgar e medir a realidade do outro pela minha. A história, as vivências, as experiências de cada povo precisam ser compreendidas e não invalidadas por discursos pontuados pela irresponsabilidade da intolerância e do senso comum. Quem vocifera bobagens conhece o mundo sem colocar o pé no chão. Convido as pessoas que pregam a segregação a mudarem de perspectiva e enxergarem a riqueza que há na troca, no intercâmbio. Em um país como o Brasil, com a extensão de seu território, temos a multiplicidade como realidade. Fomos constituídos historicamente pela mistura e a beleza está nisso. Abrimos as portas para imigrantes de vários países e enxotamos os que aqui nasceram? Não faz sentido. O respeito aos que vêm de fora ou de dentro deve sempre ser o mesmo. Na verdade, não faz sentido esta ilusão de que os estados pertencem aos que nasceram nele. Fazemos parte de uma mesma nação, mesmo que até o ideal de nação seja ilusório. Cidades, estados, países, continentes. Tudo é uma construção ilusória e que, desde as grandes navegações, com o contato entre culturas diversas, aos poucos se dissolve ainda mais.

Em vez de paulistanos, nordestinos, brasileiros, ou que seja, entendamos que somos hoje cidadãos do mundo. Em uma realidade em que as culturas se atravessam continuamente, buscar um isolamento, uma separação é  algo impossível e impensável. Tudo já está tão misturado, que não há mais como dizer que isso pertence a você e isso a mim. Não existe pureza cultural, algo genuíno de cada espaço. Talvez seja isso que as pessoas precisam entender para que aos poucos a arrogância dê lugar ao respeito pela multiplicidade e à compreensão da riqueza que há nesta vivência.

Janaína Calaça

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Um comentário

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